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Virtudes do Missionário

Textos escolhidos da Autobiografia de Santo Antônio Maria Claret

Máquinas na cabeça

64. Porém, como são inescrutáveis os juízos de Deus! Mesmo estando tão entusiasmado com a fabricação e, mesmo tendo feito muito progresso, não consegui decidir-me. Sentia interiormente uma repugnância em fixar-me e fazer com que meu pai assumisse compromissos. Disse-lhe que me parecia um tanto cedo para tal empenho, pois eu era muito jovem. Além do mais, sendo de baixa estatura, os trabalhadores não me respeitariam. Respondeu-me que não me preocupasse com isso, pois outro governaria os trabalhadores; eu teria que ocupar-me somente da parte diretiva da fabricação... Também me escusei, dizendo que depois veríamos, que no momento não me sentia inclinado. Na verdade isto foi providencial. Francamente, eu nunca me opus aos desígnios de meu pai. Esta foi a primeira vez em que eu não fiz a sua vontade; e foi porque a vontade de Deus queria outra coisa de mim: queria que eu fosse sacerdote e não fabricante, ainda que nessa época não tivesse idéia clara de tal chamado.

65. Nesse momento da minha vida cumpriu-se em mim aquela passagem do Evangelho na qual os espinhos sufocaram o bom trigo. O contínuo pensar nas máquinas, nos teares e nas composições me deixava tão absorto que não conseguia pensar em outra coisa. Ó meu Deus, quanta paciência tivestes para comigo! Ó Virgem Maria, até mesmo de vós havia momentos que me esquecia! Misericórdia, minha Mãe!

O chamado do Evangelho

67. Nos últimos tempos de Barcelona, tal era minha afeição à arte têxtil que, ao participar da santa missa nos dias de festa e preceito, fazia um grande esforço para afastar os pensamentos. Mesmo que sentisse prazer em pensar e falar sobre a fabricação, não queria que isso acontecesse durante a missa e demais devoções. Procurava afastar os pensamentos prometia a mim mesmo que depois me ocuparia disso e que no momento queria pensar na oração. Meus esforços eram inúteis. Era como tentar parar de repente uma roda em alta velocidade. Durante a missa, para meu maior tormento, surgiam idéias novas, descobertas, etc. De tal modo que, durante a celebração, tinha mais máquinas na minha cabeça do que santos no altar.

68. Em meio a esta barafunda de coisas, enquanto participava da santa missa lembrei-me de ter lido quando pequeno aquelas palavras do Evangelho: Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Esta frase causou-me profunda impressão; foi para mim uma seta que me feriu o coração. Eu pensava e refletia sobre o que haveria de fazer, porém não acertava.

Gosto pela Bíblia

113. Passado o desejo de ser cartuxo, que Deus me tinha dado para arrancar-me do mundo, pensei, não só em santificar minha alma, mas também meditava constantemente no que e como faria para salvar as almas de meus próximos. Efetivamente, rogava a Jesus e a Maria e me oferecia continuamente para ter êxito neste objetivo. As vidas dos santos que todos os dias líamos durante as refeições, as leituras espirituais que eu fazia em particular, tudo me ajudava para isto. No entanto, o que mais me movia e estimulava era a leitura da santa Bíblia, à qual sempre fui muito afeiçoado.

114. Havia passagens que me causavam tão forte impressão, que me parecia ouvir uma voz dizer a mim mesmo o que lia. Essas passagens eram muitas, principalmente as seguintes: Tu que eu trouxe dos confins da terra e que fiz vir do fim do mundo, e a quem eu disse: Tu és meu servo, eu te escolhi, e não te rejeitei (Is 41,9). Com estas palavras conhecia como o Senhor me chamou sem mérito nenhum de parte de minha pátria, de meus pais e nem minha. A ti eu disse: Tu és meu Servo, eu te escolhi e não te rejeitei.

115. Nada temas, porque estou contigo; não lances olhares desesperados, pois eu sou teu Deus; eu te fortaleço e venho em teu socorro, eu te amparo com minha destra vitoriosa (v. 10). Aqui percebi como o Senhor me livrou maravilhosamente de todos os apuros aos quais me referi na primeira parte, e dos meios que se valeu para isso.

O que aprendi na Companhia de Jesus

152. Ao conduzir-me para Roma o Senhor me fez um grande favor: colocou-me, ainda que por pouco tempo, entre aqueles padres e irmãos tão virtuosos. Oxalá tivesse aproveitado!  Porém, se não houve proveito para mim, pelo menos muito me serviu para fazer o bem ao próximo. Ali aprendi o modo de pregar os exercícios espirituais de Santo Inácio, o método de pregar, catequizar e confessar com grande utilidade e proveito. Ali aprendi ainda outras coisas que, com o passar do tempo, muito me serviram. Bendito sejais, Deus meu, que tão bom e misericordioso haveis sido para comigo! Fazei que vos ame, que vos sirva com todo o fervor e que vos faça amar e servir por todas as criaturas. Ó criaturas todas, amai a Deus, servi a Deus! Provai e vede por experiência quão suave é amar e servir a Deus. Ó Deus meu! Ó Deus meu!

A necessidade de “ser enviado”

195. Cheguei à conclusão de que o missionário jamais deve ser intrometido. Deve, sim, estar à disposição do bispo e dizer: Ecce ego, mitte me: Aqui estou, envia-me; porém não deve ir enquanto o bispo não o mandar, pois será um mandato do próprio Deus. Todos os profetas do Antigo Testamento foram enviados por Deus. O próprio Jesus Cristo foi enviado por Deus e Jesus enviou seus Apóstolos. Sicut misit me Pater et ego mitto vos: Como o Pai me enviou, assim também eu envio a vós.

198. A necessidade de ser enviado, e que o próprio bispo me indicasse o lugar, foi o que Deus me fez conhecer desde o princípio. Mesmo se nas povoações às quais me enviava houvesse pessoas más e desmoralizadas, sempre se obtinham grandes frutos, pois era Deus que me enviava; que dispunha e preparava os lugares. Entendam, portanto, os missionários que sem obediência não devem ir a nenhuma parte, por melhor que seja; porém, com a obediência não temam ir a qualquer povoação ou cidade, por pior que seja, ou pelas perseguições que se levantem. Deus os enviou, ele cuidará.

Os motivos para missionar

200. Vós sabeis que os homens quase sempre agem por alguma destas três finalidades: 1) por interesse ou dinheiro; 2) por prazer; 3) pela honra. Por nenhum desses três motivos estou pregando missão nessa povoação. Não por dinheiro porque não quero um centavo de ninguém, nem nada levarei. Nem por prazer: que prazer teria fatigando-me todo o dia, desde a manhã, e muito de manhã, até a noite? Se alguém de vocês, pelo fato de estar esperando sua vez ao confessionário, deve aguardar três ou quatro horas, se cansa; e eu que fico todas as horas da manhã, todas da tarde e, de noite, em vez de descansar, tenho que pregar, e isto não um dia só, mas dias e dias, semanas, meses e anos. Ah! Meus irmãos, pensando bem!...

201. Será, talvez, por honrarias? Não. Tampouco por honrarias. Vós bem sabeis a quantas calúnias se está exposto: haverá quem me elogie, ou quantos não proferirão contra mim toda espécie de insultos, como faziam os judeus contra Jesus, falando mal de sua pessoa, das suas palavras, das obras que fazia, até que, finalmente, o prenderam, açoitaram e lhe tiraram a vida num doloroso e vergonhoso suplício. Digo, porém, com o apóstolo Paulo, que não temo nenhuma destas coisas, nem aprecio mais minha vida do que minha alma, contanto que termine a contento minha carreira e cumpra o ministério que recebi de Deus nosso Senhor para pregar o santo Evangelho.

202. Não, vo-lo repito, não é por nenhum fim terreno, mas por um fim mais nobre.  O fim a que me proponho é que Deus seja conhecido, amado e servido por todos. Quem dera tivesse todos os corações dos homens para com todos eles amar a Deus. Ó meu Deus! As pessoas não vos conhecem! Se conhecessem vossa sabedoria, vossa onipotência, vossa bondade, vossa formosura, todos vossos divinos atributos! Todos seriam serafins abrasados em vosso divino amor. Isto é o que pretendo: Tornar Deus conhecido para que seja amado e servido por todos.

Jesus, modelo de missionário

221. O que mais e mais me estimulava era contemplar a maneira como Jesus Cristo se deslocava de uma povoação a outra, pregando em todas as partes, não só nas grandes cidades, mas também nas aldeias, até para uma única mulher, como fez com a samaritana, ainda que estivesse cansado da caminhada, abatido pela sede, numa hora inoportuna, tanto para ele como para a mulher.

222. Desde o princípio fiquei empolgado com o estilo da pregação de Jesus. Que comparações! Que parábolas! Eu me propus imitá-lo nas comparações, metáforas e estilo simples. (Mas também) Quantas perseguições!…Foi sinal de contradição, perseguido por causa de sua doutrina, de suas obras e de sua pessoa, até lhe tirarem a vida à força de injúrias, de tormentos e de insultos, sofrendo a mais vergonhosa e dolorosa morte que se pode padecer sobre a terra.

Os livros, meios de apostolado

310. A experiência me ensinou que um dos meios mais poderoso para a propagação do bem é a imprensa, ao mesmo tempo que é a arma mais poderosa para se propagar o mal, quando dela se abusa. Por meio da imprensa pode-se produzir muitos livros bons e folhetos para o louvor de Deus. Nem todos querem ou podem ouvir a divina palavra, mas todos podem ler ou ouvir a leitura de um bom livro. Nem todos podem ir à igreja ouvir a palavra divina, porém o livro irá à sua casa. Nem sempre o pregador pode estar pregando, porém o livro sempre estará repetindo a mensagem, sem nunca se cansar, sempre disposto a repetir a mesma coisa, quer seja lido pouco ou muito, lido ou deixado uma ou mil vezes, não se ofende por isso, permanece o mesmo, sempre se acomoda à vontade do leitor.

A frágua da humildade

342. Ao iniciar os meus estudos em Vic, sucedia-me algo parecido com o que se passa numa forja, na qual o ferreiro coloca na fornalha uma barra de ferro e quando ela está em brasa retira-a, coloca-a em cima de bigorna e começa a dar golpes com martelo. O ajudante faz o mesmo e os dois vão alternando compassadamente marteladas e vão moldando o ferro até que adquira a forma desejada pelo ferreiro. Vós, meu Senhor e meu mestre, pusestes meu coração na forja dos exercícios espirituais e dos sacramentos, e assim, aquecendo meu coração no fogo de vosso amor e no de Maria santíssima, começastes a dar golpes de humilhações, alternando com meus próprios golpes desferidos através do exame particular que eu fazia sobre tão necessária virtude.

A pobreza em um mundo que adora “o bezerro de ouro”

358. Vejo que estamos num século em que, não só se adora o bezerro de ouro, a exemplo dos hebreus, mas se dedica um culto tão grande ao ouro, que as virtudes mais generosas foram derrubadas dos seus pedestais sagrados. Todos somos imagens de Deus, filhos de Deus, remidos com o sangue de Jesus Cristo e destinados para o céu, no entanto, vejo que estamos em uma época em que o egoísmo faz os homens esquecerem os seus deveres mais sagrados para com seus semelhantes e irmãos.

359. Considerei que para enfrentar este gigante que os mundanos chamam de onipotente, tinha de fazer-lhe frente com a santa virtude da pobreza. Da forma como entendi também coloquei em prática. Nada tinha, nada queria e tudo recusava. Estava contente com a roupa que levava e a comida que me davam. Levava tudo num lenço. Minha bagagem consistia de um breviário do todo ano, um vade-mécum em que levava os sermões, um par de meias e uma camisa para trocar. E nada mais.

370. Observei que a santa virtude da pobreza servia, não só para a edificação de muitas pessoas, como também para derrotar o ídolo de ouro, além de auxiliar-me muitíssimo no progresso da humildade e avançar no caminho da perfeição. Além da experiência, procurava fortalecer-me com esta comparação: as virtudes são como as cordas de uma harpa ou de um instrumento de cordas. Entre elas a pobreza é a corda mais fina e mais curta, pois, quanto mais curta, mais agudo é o som. Assim, quanto menores os interesses, vantagens, riquezas da vida, tanto mais alta será a perfeição alcançada. Vemos o exemplo de Cristo que ficou quarenta dias e quarenta noites no deserto sem comer nada. Quando estava com os apóstolos comia pão de cevada e ainda assim às vezes faltava. Andavam tão abnegados que, certa vez, por colherem e debulharem espigas, em dia de festa, para matar a fome que os afligia, acabaram sendo repreendidos pelos fariseus.

O magnetismo da mansidão

372. Depois da humildade e pobreza, a virtude mais necessária a um missionário apostólico é a mansidão. Por isso o próprio Jesus dizia a seus amados discípulos: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e assim achareis repouso para vossas almas. Se a humildade é a raiz da árvore, a mansidão é seu fruto. Como dizia São Bernardo: “Com a humildade se agrada a Deus e com a mansidão, ao próximo”. No sermão da montanha, Jesus disse: Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra, não só a terra prometida, a pátria dos vivos, que é o céu, mas também os corações dos homens.

373. Não há virtude que atraia tanto as pessoas como a mansidão. Um tanque cheio de peixes dá-nos uma idéia desse poder. Se, por exemplo, jogarmos migalhas de pão no tanque, os peixes afluirão de todos os lados até se aproximarem da margem e chegarem perto de nossos pés. Se, porém, em vez de pão lhes atiramos uma pedra, todos eles fogem e se escondem. O mesmo acontece com os homens: se os tratarmos com mansidão, acorrem para ouvir a palavra de Deus e para se confessarem: se forem tratados com aspereza, perturbam-se, não ouvem a palavra de Deus, além de ficarem em suas casas murmurando contra o ministro do Senhor.

O discreto encanto da modéstia

387. Como se sabe, a modéstia é virtude que nos ensina a fazer todas as coisas do melhor modo possível e, mais especificamente, tal como as fazia Jesus. Assim, em cada coisa me perguntava e pergunto com fazia isso Jesus Cristo: com que cuidado, com que pureza e retidão de intenção. Como pregava! Como comia! Como descansava! Como tratava com todas as classes de pessoas! Como orava! E assim em tudo, de tal forma que, com a ajuda do Senhor, me propunha imitá-lo em tudo, a fim de poder dizer sim, não só de palavra, mas com obras, como o Apóstolo: Tornai-vos os meus imitadores, como eu o sou de Cristo.

O prazer de agradar a Deus em tudo

390. Conheci que não podia ser modesto sem a virtude da mortificação. Procurei, pois, com todo empenho, ajudado pela graça de Deus, adquiri-la custasse o que custasse.

391. Assim, antes de mais nada, procurei privar-me de tudo que gostava, a fim de oferecê-lo a Deus.  Sem saber como, senti-me como que obrigado a cumprir o que era apenas um propósito. Colocavam-se diante do entendimento as duas porções: a que se refere ao meu gosto e a que se refere a Deus. Como, mediante o entendimento, percebia essa incompreensível (incomparável) desigualdade, embora fosse coisa pequena, obrigava-me a seguir o que era do agrado de Deus. Assim, com muito prazer, abstinha-me daquele gosto para dá-lo a Deus.  E isto acontece ainda hoje com todas as coisas: com a comida, bebida, descanso, no falar, olhar, ouvir, ir a algum lugar, etc.

392. A graça de Deus muito me serviu para que alcançasse êxito na prática da mortificação, tanto no serviço às almas como para bem rezar.

Precisas de amor

438. A virtude mais necessária é o amor. Sim, digo-o e o repetirei mil vezes: a virtude mais necessária ao missionário apostólico é o amor. Deve amar a Deus, a Jesus Cristo, a Maria santíssima e ao próximo. Sem esse amor, suas mais belas qualidades são inúteis, mas, se acompanhadas de grande amor, tudo possui.

439. Para o que prega a divina palavra, o amor é como o fogo em um fuzil. Se um homem atirar uma bala com a mão, pouco estrago faz, mas, se essa mesma bala for arremessada com o fogo da pólvora, mata. Assim é a palavra de Deus. Se for dita naturalmente, sem espírito sobrenatural, pouco bem faz, mas se for dita por um sacerdote cheio do fogo da caridade, do amor a Deus e ao próximo, extirpará vícios, destruirá pecados, converterá pecadores, operará prodígios. Vemos isto em São Pedro, ao sair do cenáculo, ardendo no fogo do amor, que havia recebido do Espírito Santo, e o resultado foi a conversão de oito mil pessoas em dois sermões: três mil no primeiro e cinco mil no segundo.